terça-feira, junho 28, 2005

XIV

Com grandes expectativas lá abri a caixa. Maior parte das coisas não tinham qualquer valor ou significado imediato, como uma saquinha com rebuçados e outras coisas que guardamos nos bolsos diariamente. Os nossos bolsos são um pequeno pedaço de mundo vago... Havia outros objectos que me iam dando algumas pistas... Um porta-chaves com seis chaves... Provavelmente morava num apartamento. De manhã devia ser o primeiro inquilino a acordar. Acordava, tomava um café rápido para não me atrasar, abria a porta de casa, descia, quem sabe, um elevador, abria a caixa do correio e depois a porta do prédio, que estava ainda fechada. Depois entrava no meu carro desportivo descapotável, e nas férias que tinha do meu bom emprego, que me permitia ter uma boa qualidade de vida, ía até à praia andar de mota de água. Seis chaves... Claro que era preciso um sítio para guardar a mota! Uma garagem ou uma pequena casita de praia.
Tinha também um pequeno anel dourado... Será que era casado? Teria eu uma fantástica esposa em casa à minha espera? Isso mudava a rotina... Já não era um café rápido de manhã, mas um confortavel e longo pequeno almoço... Panquecas com morangos e natas e sumo de maçã para acompanhar. E um carro familiar, não um desportivo! Seria?! Mas então porque não me teria visitado ainda?! Hum... Na caixa não há nenhuma carteira, assim ainda não me devem ter identificado... Será que julga que estou morto?!
Perdi-me no meu mundo... Ou meu mundo imaginário... Que nome damos às nossas suposições?! De repente o médico entrou.
-" Ora muito boa tarde! Já viu outra vez os seus objectos pessoais, hein?"
-" Sim, é verdade... Mas só há isto? É tão pouco... Descodificar anos de existencia, nem sequer sei quantos, com meia duzia de objectos frios..."
-" Pois... É sempre tudo pouco quando se trata de memórias... Mas isso é tudo o que foi recuperado..."
-"Pena!"
-" Sim, mas tenho boas notícias, pensamos que talvez tenhamos encontrado um conhecido seu... Ligaram para aqui ontem, á procura de um senhor desaparecido, com a sua descrição..."
-"A sério?! Isso é fantástico!"
-" Sim, esperemos que sim... Agora tem de me acompanhar para fazer mais uns exames..."
-" E se chegar o conhecido?"
-" ELA disse que passava cá ás 6:30h, por isso tem tempo!"
Já tinha feito os exames... Eram 6:20 e já estava ansioso... Os nervos trincavam cada célula no meu corpo! De repente a porta abriu-se. Em câmara lenta, como nos filmes...

terça-feira, junho 21, 2005

XIII

Um acidente de mota de agua?

Como era possível não me lembrar sequer que tinha uma mota de agua, ou mesmo que sabia conduzir uma… Será que continuava a alucinar naquele sonho sem nexo… Tinha que me manter alerta, ditar as minhas células cerebrais que não saíssem da realidade. Mas pensando bem, de que raio de realidade estaria eu a fugir? Teria algo de terrível na minha vida, seria eu tão terrível que me quisesse esconder dentro do meu casulo? Cada vez mais me doía a cabeça, pensar doía, olhar doía, mexer doía, então voltei a desmaiar. Desmaiei e voltei a mergulhar na minha mente! Enquanto percorria o meu cérebro a procura da minha memória, só via grandes gavetas, gavetas enormes de uma madeira exótica qualquer, pesadas, cheias. Eram onde arrumava tudo o que por aquelas estradas de sinapses passava. Tinha imensas gavetas todas etiquetadas, (não fazia ideia de ser tão organizado…), adversidade, bem, coragem, crítica, deus, dinheiro, educação, erros, esperança, exemplos, êxito, fé, felicidade, generosidade, humildade, ideais, inteligências, justiça, morte, palavra, paz, personalidade, sacrifício, sexo, tempo, trabalho, virtudes, sentimentos! Inspirei fundo e ganhei coragem para abrir a gaveta dos sentimentos, na verdade abria-a porque era a que me parecia a mais pesada, tinha vários arquivos: Alegria, Amizade, Amor, Sofrimento, Temperança, etc. Tive medo de ler estes arquivos e me lembrar de tudo o que poderia ter perdido, sim, porque no fundo sabia que algo terrível acontecera e que aquele beco escuro, no fundinho da minha mente, cada vez se aproximava mais, como se crescesse de cada vez que vasculhava o meu arquivo.

Acordei, e aquelas gavetas tão organizadas não me saíam da imagem, e aquela mancha de crude a invadi-las. Mas afinal o que teria acontecido, quem era eu na verdade, na minha verdade! Tentei levantar-me, mas estava zonzo, olhei para a minha mão e um tubo com uma coisa cor-de-rosa estava ligado e a penetrar-me a pele. Esperei que alguém aparecesse, e comecei a imaginar o que dizer, iria confrontá-los, encosta-los a parede: Afinal o que faço aqui? O que me aconteceu? Eu numa mota de agua? Exijo explicações…?

O tempo parecia não passar, berros ouviam-se ao fundo, pessoas a correr, gritos de choro abafado durante eternidades que saíam estridentes…

Abriu-se a porta branca no fundo de um corredor pequeno que dava para o meu quarto igualmente branco, onde estava deitado numa cama com lençóis igualmente brancos, enfim tudo a minha volta era branco, como se estivesse envolto em luz, entrou uma enfermeira veio até mim e antes que pudesse confronta-la, enfim dizer tudo o que tinha ensaiado, pegou na caixinha azul e espetou-ma nas mãos!

A caixinha azul!!! Afinal existia mesmo!!

As minhas mãos tremiam, o que iria encontrar lá dentro, quem era afinal este corpo em que a minha alma estava aprisionada? E o sentimento de ter acontecido algo de tão terrível na minha vida! Abri a caixa!

quarta-feira, junho 15, 2005

XII

-Então que está fazer aqui no meio do corredor? - perguntou-me uma empregada forte e alta.
-Errrrr... Acho que me perdi!
Então ela agarrou-me pela camisa, levantou-me no ar e arrastou-me uns bons 50m, sem que eu pudesse fazer nada!
-Sr. Doutora encontrei este marmanjo por aí perdido! Que é que faço com ele? - perguntou a uma médica já de alguma idade que passou por nós. Felizmente passou por nós, senão quem sabe? Podía-me ter arrastado mais 100, 200 ou 300m, ou mesmo até à entrada do hospital! Teria sido uma cena embaraçosa. Eu ali na sala de espera quase com tanta roupa como quando vim ao mundo!
-Hum... Qual o seu quarto? Como veio aqui para, o que lhe aconteceu?- Perguntou a médica.
-Ahhhhhhhhh... Bolas! Não me lembro! Bolas, bolas, não me lembro de nada!!!
De repente houve uma explosão de perguntas na minha mente, como uma montanha russa, em que sentimos muita coisa mas não vemos nada á nossa frente. O que me tinha acontecido? Porque estava eu no hospital? As pessoas no meu sonho eram reais?
- Olhe sente-se ali, tente não sair do sítio, que isso descobre-se já! Isto aqui é só cuscos, sabe-se tudo de toda a gente, é só perguntar ás minhas amigas da cozinha!- Disse a empregada.
Sentei-me num banco, completamente á nora, confuso e sem rumo. Fiquei assim durante algum tempo. Não sei bem quanto, pois estava completamente perdido no turbilhão de perguntas que me iam surgindo. Finalmente a empregada voltou. Será que me ía arrastar outra vez? Quem sabe pôr-me numa cadeirinha e passear-me como um bébé?
- Está no quarto 303. Também já lhe chamei um médico,achei que ía querer!
Afinal a empregada era bastante simpática. Tinha uma placa na camisa, chamava-se Gertrudes.
Fui para o quarto e estava lá um médico á espera.
- Então perdeu-se outra vez, hein? Vamos ter de começar a pôr-lhe uma trela! Eu agora estou super ocupado, não posso ficar aqui muito tempo, mas tem aí no seu armário uma caixita azul com alguns objectos pessoais que trazia consigo, talvez ajudem. Ah! Você teve um acidente de mota de água... Convém lembrar-lhe... Mais uma vez... Se fosse a si escrevia um papel a dizer isso, para deixar de se perder e tal!

quarta-feira, junho 08, 2005

XI

Sentia-me como se estivesse envolvido num daqueles filmes de terror classe Z. O corredor à minha frente parecia não ter fim, a qualquer momento podia abrir-se a porta e sair da porta de um daqueles quartos um zombie que se dirigiria para mim lentamente e que por mais que corresse ele continuaria lentamente atrás de mim...
Senti as pernas a fraquejar... Tudo à minha volta andava à roda... Sentia-me muito tonto... Caí de joelhos, tentei não perder os sentidos, mas... BOLAS, era mais forte que eu, e tombei sobre o chão.
De repente senti muito calor, suava por todos os poros do meu corpo, levantei-me e lentamente abri os olhos... Não tinha passado tudo de um sonho, a rondar os limites de pesadelo... Sim de facto o meu pai havia morrido, faz hoje precisamente um ano... mas havia morrido no hospital naquela banal enfermaria... Bolas, será que os sonhos querem mesmo dizer alguma coisa? O que raio este me transmitia? Dizem que por vezes sonhamos devido a coisas, acontecimentos que nos acontecem e por vezes nem nos apercebemos mas transportamos isso para o nosso período de sono e consequente sonho...