segunda-feira, janeiro 23, 2006

XXIV

"Por esta altura já o Sol estava quase totalmente omisso por detrás da lustrosa calçada de água em que se reflectia.Ergui o olhar. E dei por mim a contemplar a mais bela criatura que Deus pôs na Terra. E tinha-me salvo... Acho eu... De repente, duas rudes mãos levantam-me pelos colarinhos."
Voltei a ter o mesmo sonho. Desde que o tive pela primeira vez naquele fétido hospital já se devia ter repetido pelo menos cinco vezes. Mas que raio quererá dizer?
Mal acabei de tomar o pequeno-almoço fui ver a caixa de correio. O bilhete que a Lucinda tinha deixado tinha apenas um número de telefone e escrito por baixo: "Pode fazer falta." Dizem que a curiosidade matou o gato. Bem, só espero ter também sete vidas.
Liguei. Atendeu uma voz, que em tom plástico disse: "Serviços de limpeza, bom-dia, em que posso ajudá-lo?" Desliguei. Aquela mulher nunca tinha resistido a implicar com a minha falta de asseio a todas as oportunidades. Mas esta foi, indubitavelmente, a mais requintada.
Assim de repente tive um lampejo: e o meu emprego? Será que ainda lhe podia chamar o meu emprego? Ou será que o excelso Senhor Doutor Arnaldo Vilaça, mantendo-se fiel à sua tão característica simpatia e por demais abundante generosidade, num libertário ímpeto de dar oportunidade à gente jovem, já o tinha libertado de qualquer vínculo para comigo? Sendo hoje Sábado, acho que ia esperar para descobrir.
Decidi pegar no meu cão e dar uma volta. Espera. Não tenho cão. Mas eu gosto de cães. Porque raio não tenho eu um cão? Tenho de tratar disso.
Fui dar a volta, mesmo sem canídeo como companheiro.