quinta-feira, setembro 15, 2005

XXI

Fiquei realmente assustado... Não me lembrei quem pudesse ser... A Beatriz tinha perdido a chave de minha casa há algum tempo. A adrenalina conduziu-me à cozinha. Peguei numa faca da gaveta e ao mesmo tempo que saí da cozinha, vi no hall de entrada o misterioso personagem. Reparei depois que era na verdade a Paula, minha antiga empregada.
-"AAAAAAAAH!"-berrou -"Foda-se! Mas que raio é que você 'tá a fazer com uma faca na mão?!"
Percebi agora o rídiculo da situação, e fiquei completamente embasbacado!
-"Hummmm... errrr... ah... FRANGO!"-disse eu com ar de amalucado.
-"Frango?!"
-"Sim... Estou a cortar frango na cozinha... Aliás, estava! Porque agora estou aqui... Quer dizer, você sabe isso! Está a falar comigo... Não podia estar a falar comigo se eu não estivesse aqui..."
Que raio estava eu a dizer?! Parecia que tinha levado com uma injecção quase letal de pura estupidez!
-"Bem, eu já não trabalho aqui, mas posso ajuda-lo, nunca teve grande jeito para qualquer tarefa doméstica, não é verdade?" Disse ela, encaminhando-se para a porta da cozinha.
-"Não!NÃÃÃÃÃÃO!!!" - disse eu enquanto bloqueei abruptamente a porta da cozinha... Se ela descubrisse que não estava lá frango nenhum ía-me achar um idiota, ou um psicopata!
-"Ora raisparta! Não é por isso que vou cobrar horas extras!"
-"Na...Não, é que a cozinha está muito desarrumada... Aliás, está mais que isso! É a coisa mais desarrumada que já foi criada! Há panelas e armários espalhados no chão, as cadeiras estao ao contrário, a mesa está cheia de...coisas! Nem deve ser seguro entrar lá... Pode pisar um ralador, ou... ter um ataque cardiaco, já que Arrumação é o seu nome do meio, né?"
-"E como raio foi a cozinha ficar assim se ainda hoje ou ontem chegou do hospital?"
-"Soube que eu 'tive no hospital?"
-"Claro! As notícias correm depressa, então quando são coisa rara!"
Ficou um silêncio estranho na sala... Um silêncio pateta!
-"A cozinha?!" relembrou-me ela, num tom de quem está a suspeitar de alguma coisa.
-"Ah, pois! O frango... Deram-me um frango vivo... Um presente estúpido de boas-vindas! E ele fugiu e andou a correr às voltas pela cozinha, e eu atrás dele, foi quase engraçado até..." Disse eu com um sorriso (mais uma vez) pateta, e de quem tem noção que as palavras estão a sair da boca mas não têm lógica nenhuma!
-"Um frango vivo?! Quem é que lhe ia dar um frango vivo?! A sua família é toda daqui da cidade, onde é que iam buscar um frango vivo?!"
-"Foi um primo da irmã do marido da madrinha do meu irmão... Não é bem família são muito, muuuuuuuito afastados!..."
-"Sim...okay..então eu vou-me embora agora..."
-"Sim, está bem... Xau xau!"
-"Xau..." Disse a coitada da rapariga, completamente estupefacta, enquanto abriu a porta e saiu.
Meu Deus! Que ridiculo! Tinha reunido nos ultimos cinco minutos mais estupidez que em toda a minha vida... Eu era um tipo certinho, o que é que se tava a passar comigo? Será que tinha mais alguma coisa na cabeça e os médicos não notaram? Tinha de ser... Acalmei finalmente passado um bocado...
-"Ai meu deus, que palhaçada aqui vai! Agora até já falas sozinho, vês?! Ui... Mas afinal o que é que a minha antiga empregada veio cá fazer?..."

terça-feira, setembro 13, 2005

XX

Que saudades da minha colecção de CDs, caoticamente arrumados pela minha sala...
Nota Mental: tenho de começar a ser arrumado... provelmente será por isso que as empregadas nunca duram mais de três meses...
Matei a minha sede de Nirvana... Vou aproveitar para tomar um longo banho na banheira... Já não me lembro da última vez que isso aconteceu (se tivesse dito isto há dois dias atrás teria sido uma piada excelente!). Tenho de começar a disfrutar dos pequenos prazeres da vida... Vai ser um banhito de imersão ao som de Fiona Apple... Hoje, o Tidal... Não tenho aparelhagem na casa de banho... Tenho de tratar disto... Afinal de contas é preciso aproveitar enquanto se é jovem... Vai o CD para a esterofonia do quarto e volume um pouquito mais alto e por hoje remedeia-se...
Ainda sequer tinha começado a Shadowboxer e já estava a D. Esmeralda a bater à porta e a gritar com a sua voz esganiçada de bagaço:
"- Pouco barulho!!! Pára lá essa música demoníaca... Esta juventude hoje..."
Deixa-a para lá aos berros e logo no final da Criminal resolveu calar-se. Se calhar ia fazer queixa à polícia por estarem a fazer barulho às 18h24... Enfim...
Não havia passado muito tempo quando ouço, exactamente no intervalo de uma música alguém a colocar as chaves na porta e abrir...

segunda-feira, setembro 12, 2005

XIX

Estava farto do hospital. Não podia mais com aquele ambiente. À minha voltava cheirava a doença e morte. Só isso fazia-me sentir pior. No entanto aquele choque que tive fez-me recuperar a memória. Lembrava-me agora de toda a minha vida, da minha rotina diária, da minha adolescência, de números de telefones... tudo... Sorri... Sentia-me bem.

Neste dia entrei no consultório imemoravelmente bem disposto. Já sabia no que iria resultar a visita. Finalmente ia ter alta... E assim aconteceu...
O João já me tinha trazido uma muda de roupa e algum dinheiro... Nem chamei ninguém para me vir buscar. Chamei um táxi e rumei direitinho para casa. Tinha saudades da tv, da música, da calma, do mar, do telefone, do meu mail, ... até do stress miudinho da cidade e do trabalho!

Vinha a cantarolar no táxi:
Nothing on top but a bucket and a mop
And an illustrated book about birds
See a lot up there but don’t be scared
Who needs action when you got words

o Plateau... era daquelas coisas inexplicaveis... Veio-me a cabeça e não saía... Mais valia ir na onda e cantarolar... Quem canta seus males espanta... E tinha alguns para espantar...

Finalmente cheguei a casa... A primeira coisa que fiz foi pegar no cd dos Nirvana por o som bem alto e escolher a música 7 do MTV Unplugged in New York... e que me perdoasse a dona Esmeralda, a minha vizinha do lado, mas ia ter de gramar com a música, gostasse ou não. Também já tinha fama de mau vizinho, por isso mais vale aproveitar as vantagens que isso traz!