domingo, maio 15, 2005

VI

Abri os olhos pesados.
Voltei a ouvir:
-Estás bem?
Dorido, respondi a custo:
-Acho que sim.
Por esta altura já o Sol estava quase totalmente omisso por detrás da lustrosa calçada de água em que se reflectia.
Ergui o olhar. E dei por mim a contemplar a mais bela criatura que Deus pôs na Terra. E tinha-me salvo... Acho eu... De repente, duas rudes mãos levantam-me pelos colarinhos.
-'Tão rapaz? 'Tás melhor? Valente safanão que apanhaste... Mas o que é que estavas a fazer a nadar a uma hora destas com um mar destes?
-Ermm... Apeteceu-me dar uma braçada... E afastei-me demasiado da costa...
Se lhe tivesse contado tudo o que passei ele pensava que eu era tolo. Quem acreditaria numa estrela-do-mar falante? E no meu pai a fazer incursões submarinas a meio da noite para ir buscar os ditos perlimpimpins? Tudo parece tão irreal. E, no entanto, tão presente. Será que estou a ficar doido? Será que a morte de meu pai me deu a volta à cabeça?
-Há tolos para tudo! - a voz rouca do imponente pescador interrompeu a minha linha de pensamento - Tens tu muita sorte em a minha Ana te ter encontrado, rapaz! Senão por esta altura ainda 'tavas ali deitado na areia a engolir água.
Voltei a minha atenção para ela. Ela, corada, escondia a face.
-Oh... Não foi nada...
-Foi o suficiente para me pôr aqui de pé. Já é qualquer coisa. - sorri-lhe carinhosamente e agradeci-lhe. Encharcado e dorido, fui para casa.
-Onde é que estiveste? - perguntou a minha mãe, com lágrimas a correrem-lhe os olhos. Nenhum de nós tinha ainda aceite a morte do pai.
-Tive de desanuviar. Fui dar um passeio pela praia.
-Olha para ti. Estás todo encharcado.
-Fui dar um mergulho. Ver se limpava a cabeça.
Odeio mentir. Especialmente à minha mãe.
-Mãe, o pai costumava pescar?
-Que raio de pergunta! Sabes mais que bem que o teu pai adorava pescar.
-Pois... Mas costumava ir ao ilhéu? Ou sair a meio da noite?
-Que eu saiba não. Mas todas as terças saía por volta das onze, onze e meia. Dizia que ia ter com um amigo. Normalmente adormecia antes de ele chegar. Mas essas perguntas todas assim de repente porquê?
-Nada... Por nada...
Odeio mentir. Subi as escadas para tomar um bom banho.
Saí do banho, e ao encaminhar-me para o meu quarto, vi a porta entreaberta do quarto dos meus pais. Veio-me ao pensamento a caixinha de que o pai falara. E, se bem me lembro, a estrela-do-mar também fez referência a uma caixinha azul.
Abri a porta. Pé ante pé, encaminhei-me para a cama. De joelhos levantei a colcha branca que cobria a larga cama de casal. Na escuridão reconheci os contornos de uma velha caixa de sapatos. Ao trazê-la à luz vi que estava atada com cordel. Pesaroso e a tremer como varas verdes, desatei o cordel que a envolvia como se de repente tivesse o mundo às costas. Levantei a tampa. E vi uma velha e desgastada caixinha azul.

1 Comments:

Blogger ana do ar said...

oooooooooooooooooooooooh..tu não existes!!!

='>

tá tão lindo..
agr só falta ALGUÉM CONTINUAR...

braga-2;porto-0

ahahah

domingo, maio 15, 2005 11:37:00 da tarde  

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